quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Inoscente.

Por Josciene Santos

Venho aqui para fazer-lhe juiz dessa causa que não sei se quero perder ou ganhar. Do meu coração faço a promotoria e da minha razão o advogado de defesa; meus sentidos são o júri e, também, as testemunhas; minhas mãos são as armas, a prova do crime.

Eu matei, Excelência. Eu matei aquela pobre alma cujo sangue deixou marcas no meu lençol. Matei sim e não sei se posso me arrepender de ter livrado o mundo daquela ordinária.

Era alta madrugada. Eu dormia completamente despido e enrolado com aquele lençol sobre o qual foi encontrado o cadáver. Escutei um barulho. Me assustei. Era ela que aproveitava a porta do quarto aberta, entrava e estava a vagar de lá pra cá, deixando escapar dos lábios uma sussurrada melodia.

Eu estava tonto de sono. Não podia formular o pensamento. O quarto estava escuro. Não conseguia enxergar direito. E, à medida que ela se aproximava de mim, que eu sentia seu corpo cada vez mais perto e não sabia de quem ou de que se tratava, sentia muita vontade de acender a lâmpada para poder enxergar melhor. Mas não podia fazer isso senão iria espantá-la. Então continuei quietinho debaixo do cobertor. “o que será que ela quer?”, era o que eu me perguntava, até que minhas indagações começaram a ser respondidas... Ela, mansamente, veio em minha direção. Olhava-me nos olhos; analisava cada parte de meu corpo coberto. Podia vê-la lamber os lábios. Parecia tomada por um desejo ardente e insaciável.

Sem a menor timidez, foi entrando debaixo do lençol e fazendo meu coração disparar. Seu corpinho magro relava no meu e minha pele nua rapidamente se arrepiava. Era uma sensação gostosa. Muito gostosa! Ela não tinha pudor. Deslizava seu rosto no meu, enquanto sentia meu cheiro. Acariciava minha pele num leve toque, quase imperceptível. Eu sentia uma inquietação. Uma indecisão. Algo me dizia que deveria expulsá-la dali, mas me sentia preso. E também não vou negar que o calor de seu corpo transmitia uma sensação muito boa. Ela sabia me acariciar como poucas pessoas o sabem. Era tão frágil e magra! Parecia tão inocente! Mas eu estava enganado.

Deslizando seu corpo no meu, sua pele na minha ela começou a mostrar suas reais intenções. Encostava sua boquinha na minha orelha e cantava uma melodia única. Era como se tentasse me hipnotizar. Lentamente, suas carícias foram ficando mais intensas, a música mais expressiva. Então, sua boca foi se aproximando de meu pescoço... Num jogo de sedução, ela ameaçava dar uma mordidinha. Depois se afastava

Eu sabia que ela só ficaria comigo por uma noite. A essa altura eu já imaginava de quem se tratava. Com certeza era ela. Só podia ser a tal criatura de quem o bairro inteiro comentava, por entrar sorrateiramente à noite nas casas das pessoas.

Eu estava agora à flor da pele e ela não parava de passar seu corpo no meu. E, novamente, misturando um ar de inocência com seu desejo irreprimível, direcionou seu olhar carente em direção ao meu. E, num segundo de distração meu, se aproveitou da situação, deitou sua boca sobre meu rosto e me deu uma inesquecível e dolorosa mordida na testa. Na testa, Excelência!

Até agora ainda sinto a dor que aquela ordinária me fez experimentar!

No impulso da dor, levantei da cama num pulo e, quando acendi a lâmpada e vi aquela aproveitadora perto de minha cama, encostada na parede, fiquei enfurecido. Agora eu já a tinha visto e confirmado que era dela realmente que o bairro inteiro falava.
Só desejava me vingar da mordida na testa!
Mas a malandra fugia de mim. Ela sabia, ou pelo menos imaginava o que eu planejava fazer. Por isso não parava no lugar. Depois de muita fuga e perseguição, encurralei a ordinária contra a parede; olhei dentro de seus pequeninos olhos, que pareciam pedir clemência, e perguntei, com um tom de firmeza: “você sabe o que farei, não sabe? Isso não era para estar acontecendo, mas você foi dar aquela mordida dolorida na minha testa! Por que você fez isso?” Mas ela continuou muda. Aparentemente nem se sentia culpada. Não havia nenhum indício de remorso na sua expressão. Sequer cantava aquela melodia suave de antes. Talvez se ela tivesse respondido e tentado se desculpar eu não teria chegado a esse extremo. Mas ela apenas me olhava. Com um olhar cínico como se quisesse dizer: “você é sangue bom, mas o de sua testa é ainda melhor”. Ah, ordinária!

É por isso Excelência que não me arrependo do ato cometido. Até gosto de lembrar a sensação de prazer que tive quando pressionei rápida e vingativamente minha mão sobre o corpinho dela e ela contra a parede. Parece que ainda posso ouvir o barulho: ploft!

Só no dia seguinte percebi que havia outras tantas no meu quarto e chamei o detetizador
.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito legal seu blog. Pena que não li todo o conteúdo, a segunda postagem ( sobre a tv analogica e digital ) é um pouco longa mas, interessante.