Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Comunicação
Professor: Wilson Gomes
Por Josciene Santos
Questão 2: A formação da opinião e da vontade públicas na democracia e o que a comunicação de massa tem a ver com isso.
Questão 5: O espetáculo político sob a produção do jornalismo: razões, modos e resultados.
Questão 7: Como os universos da comunicação e da política satisfazem e acomodam os interesses um do outro e o que tem o mundo dos negócios a ver com isso?
Questão 2:
A idéia de esfera pública apresentada por Jürgen Habermas passou a ser compreendida, a partir dos anos 90, de acordo com a noção de “deliberação pública”, e tornou-se um importante conceito para a corrente contemporânea de teoria democrática, ou democracia deliberativa.
O sistema republicano de democracia sustenta a idéia de haver discussões coletivas prévias a deliberação, nas quais a opinião e a vontade pública se formariam. É disso que trata Jürgen Habermas, Em Direito e Democracia. O autor discute os processos pelos quais são formadas a vontade e a opinião públicas. Para ele, esses processos têm como objetivos a comunicação e a busca de bom senso e como base necessária as interações discursivas. Somente dessa forma, as deliberações, decisões políticas, formulação de leis etc. seriam democraticamente legitimadas e as opiniões e vontades públicas justificadas.
“Formação de opinião e da vontade” é uma expressão que designa a geração da opinião, mas também a produção da decisão política. Sendo que a todo cidadão passível de ser afetado pelos resultados da deliberação deve ser oferecida a oportunidade de se envolver na discussão. O que equivale a dizer que tanto o resultado quanto o processo devem ser públicos
Faz-se necessário, então, uma interação discursiva. Através desta, é possível detectar problemas compartilhados pela sociedade e informar-se melhor sobre eles, criticar, argumentar, reformular pontos de vista etc. O essencial é que ninguém tenha a sua oportunidade de participar da discussão e nem seu direito de argumentar subtraídos ou intimidados.
Nesse contexto, há uma via institucional e outra não-institucional utilizadas para a realização do processo de formação da opinião e vontades coletivas. Pela via institucional, esse processo desemboca na formulação de leis e políticas. Nela, as interações discursiva e argumentativa, sem uso de violência, fazem-se necessárias, pois deve ter como resultado deliberações de aceitabilidade racional. Essa via seria o parlamento.
Já a via não-institucional/informal/autônoma compõe a esfera pública, espaço onde questões, informações, argumentos e pontos de vista dos componentes da sociedade civil é posto em circulação. Dessa forma, a comunicação pública informal tem como resultado a formulação das opiniões e vontades públicas – esta, entendida como um espaço onde as argumentações e pontos de vista apresentados livremente geram uma opinião pública.
Esse processo torna-se, então, um importante meio para a racionalização discursiva das decisões políticas, já que a opinião pública passa a orientar os usos que devem ser feitos do poder administrativo- que de fato toma as decisões.
Mas existem diferentes modelos de democracia. Dessa forma, a formação democrática da opinião e da vontade se apresentam de modos diferentes no regime democrático liberal e no republicano. Naquele, a manifestação da vontade pública tem um espaço reservado: as eleições, já a opinião pública não tem espaço definido nas constituições. O regime republicano, por outro lado, confere à manifestação da vontade coletiva e à configuração de opiniões públicas grande relevância, por entender que através destas se constitui a soberania popular.
Isso se torna um problema quando se sugere que a opinião e a vontade coletivas, produzidas na esfera deliberativa pública e democrática, são uma espécie de auto-governo.
A solução, então, é fazer a mesma distinção evidenciada nos regimes liberais entre Estado e sociedade, opinião pública e decisão política institucional, mas possibilitar que haja entre essas duas esferas mais canais e fluxos de comunicação.
Portanto, faz-se necessário a intermediação dos meios de comunicação de massa como espaço para o debate público e como mediadores entre as esferas política e civil. Assim, as posições que acarretem em conseqüências para a sociedade, devem ser colocadas em debate público, mediado pelos meios de comunicação, ou serão consideradas antidemocráticas e insensíveis à opinião pública.
Como conseqüência, às elites (detentoras de capital econômico e intelectual) é ainda dado o direito de participar diretamente do debate propriamente dito. Já à população o debate oferecido é aquele via meios de comunicação de massa. “Ao eleitorado se esclarece, se convence por persuasão, às elites pensantes se convence num debate” (Gomes).
Questão 5:
Toma-se aqui como metáfora a idéia de que atualmente, principalmente com o surgimento da televisão, os agentes políticos seriam atores que encenariam para seu público –a esfera civil– dramas diversos cujo objetivo seria convencer o público através de uma representação que, como o termo sugere, pode de alguma forma ser sustentada na realidade, mas não é a realidade em si.
Dessa forma, toma-se como pressuposto que o jornalismo impresso também seguiu a tendência à espetacularização, mas somente no que lhe era possível (a citar, textos pouco densos e narrativos). Mas é no jornalismo televisivo que se verifica melhor os espetáculos, visto que é baseado na imagem, assim como o espetáculo literal.
Apesar de ainda existir o discurso de auto-legitimação do jornalismo como representante dos interesses da esfera civil e de manter-se independente e vigilante da esfera política a fim de “desmascarar” os sujeitos políticos que objetivam enganar a esfera civil,a hostilidade do jornalismo face à esfera política vem perdendo dimensão. Aparentemente, o jornalismo aprecia cada vez mais o espetáculo. No entanto, ainda persiste o interesse em desmascarar os atores políticos, mas por (ou também) um outro motivo: o jornalismo almeja reter para si a função de dirigir/coordenar os atores políticos.
Dessa forma, a esfera civil assiste a dois espetáculos, um produzido pelo jornalismo–que faz a cobertura e edição dos atos, falas e relações dos agentes políticos– e outro realizado pela esfera política, mais especificamente pelas consultorias políticas e pelos políticos profissionais, que espetacularizam os atos, falas etc. dos atores políticos a fim de passar pela barreira imposta pelo jornalismo .
A necessidade observada pelo jornalismo de se adequar à lógica do entretenimento nos meios de comunicação de massa, destacando-se a televisão comercial, é um motivo que se ressalta quando se tenta entender o porque dessa mudança de posição e de atitude do jornalismo. Adequar-se ou não a essa lógica poderia significar a sobrevivência (ou não) do jornalismo dentro da cultura que se formava e ainda se forma, visto que os altos custos da televisão requerem alto investimento, geralmente provenientes dos anunciantes, que preferem investir nos programas que obtém maior audiência. Torna-se essencial, então, capturar a atenção do público e agradá-lo, afinal, nessa lógica, é ele o patrão. E este patrão, adaptado à indústria do entretenimento, aprecia informações leves, que não requeiram concentração, pois serão consumidas no seu tempo livre.
Assim como as outras editorias, a de política é marcada pela dramatização da informação. Eis alguns dos modos pelos quais se constroem os dramas: 1. as narrativas relatam e espetacularizam conflitos, o que implica em identificar antagonistas e, talvez, protagonistas, sendo estes o governo, quando tem grande apoio popular ou das elites, ou em caso contrário, a oposição; 2. Quando, porém, os personagens não são identificados como protagonistas ou antagonistas –situação apreciada pelo jornalismo- é o jornalista quem, através de sua narrativa, paternalmente, surge para mostrar ao público o suposto engano e as controvérsias da situação; 3. O jornalista, como detentor das possibilidades de edição e de seleção, é o responsável pelos enquadramentos dados às reportagens, podendo dar sonoras a este ou aquele político; selecionar protagonistas ou antagonistas em conflitos; construir personagens como instância moral e psicológica e, entre outros, tentar cativar as audiências dando um enfoque emocional às narrativas - característica típica do drama.
Como conseqüência da aproximação do jornalismo à indústria do entretenimento, vê-se uma submissão do primeiro em relação às normas e fórmulas desta, uma repetição de experiências que obtiveram êxito no passado. Na busca por audiência, o jornalismo produz ficção num ritmo industrial e rastreiam e alongam escândalos envolvendo personalidades políticas, muitas vezes escaramuçando suas vidas privadas. Dessa forma, a sociedade civil e a política, os leitores e os espectadores podem apreciar constantemente, nos telejornais e nos jornais impressos, um grande espetáculo da política.
Questão 7:
A política, a comunicação de massa e os interesses econômicos formam uma rede de multideterminações recíprocas, ou melhor, um sistema no qual se relacionam de maneira tensa, porém ainda assim, com encaixes. E, por mais paradoxo que pareça, a acomodação –mesmo que provisória e imperfeita, marcada por concorrências e parcerias –dessas três forças sociais é proporcionada por essa tensão. A vinculação entre partes com interesses tão distintos e contrastantes se torna possível porque cada uma delas possui um recurso fundamental que as outras objetivam. Os meios de comunicação, por exemplo, controlam a esfera de visibilidade pública, selecionando quem é visto ou não por quase toda a população do país - recurso muito importante para a política midiática, já que aquilo que (ou quem) está na esfera de visibilidade pública é considerado pela audiência como o que de mais importante está acontecendo no país, como atualidade digna de apreciação. A esfera política se situa dentro da esfera pública, logo, ela é submetida à seleção/construção de conteúdo feita pelos selecionadores da esfera da Comunicação. Ela é dependente dos meios, recursos, instituições e agentes desta.
Assim como para as indústrias do entretenimento, para a grande imprensa é essencial capturar a atenção das audiências, já que disso depende seu financiamento. Mais além, a indústria da informação tem necessidade de produzir informação política interessante, pertinente e em larga escala num período de tempo relativamente pequeno. Para tal, jornalistas criam vínculos com fontes localizadas no interior da esfera política que lhes fornecem informações privilegiadas, sem as quais eles teriam maiores dificuldades de descobrir as histórias e interpretações, muitas vezes sigilosas, sobre o mundo político. Em troca, o jornal compromete-se a “cuidar” da imagem da fonte ou dos interesses que ela representa.
Mas a imagem do veículo onde tal informação foi divulgada, e a do jornalista, também se tornam mais positivas. Conseguir informações exclusivas, corretas e objetivas e publicá-las garante distinção e importância frente à esfera civil. Como conseqüência, são gerados audiência e assinantes, além de prestígio dentro do campo jornalístico. A legitimidade alcançada é, então, na lógica capitalista, repassada aos anunciantes, que pagam parte da conta.
Nos regimes democráticos de massa, para alcançar grande parcela dos possíveis eleitores, a política precisa tornar-se midiática, logo, é necessário apoiar-se na comunicação de massa e nas lógicas e linguagens que esta impõe. No entanto, ao ser assimilada pela comunicação de massa, ocorreram algumas mudanças na natureza da política – agora midiática e espetacularizada– ao mesmo tempo em que ela passou a ter que arcar com o alto custo advindo do padrão industrial adquirido.
Nem todos os profissionais com competência comunicativa estão situados dentro da indústria da comunicação. Alguns deles, aqueles capazes de preparar produtos em padrão industrial com qualidade e de acordo com a lógica da indústria de comunicação de massa e aptos a lidar com a imprensa, propaganda e pesquisa de opinião, são contratados pelo mundo da política, principalmente nos períodos eleitorais a fim de planejarem as campanhas e “moldarem” as imagens públicas dos clientes, os políticos. Aqui, o salário desses profissionais é geralmente maior, o que acarreta em tornar a atividade política midiática ainda mais cara. E seu custo torna-se muito alto para ser bancado pelo domínio político.
Nesse contexto, faz-se presente o mundo dos negócios bancando tais despesas. Principalmente durante as eleições, o domínio das atividades privadas destina uma grande quantidade de dinheiro para financiar as campanhas.
Esse financiamento se dá devido a um jogo de interesses: os meios de comunicação capturam a atenção do público, o qual o mundo político quer transformar em eleitores. Logo, a política precisa dos meios de comunicação de massa para convencer os espectadores/eleitores. Mas, como o universo da política midiática é caro, é necessário que um terceiro pague a conta, no caso, o mundo dos negócios, que possui o capital financeiro. Para tal utiliza-se como método a barganha cujo pressuposto é que, caso o político que teve a campanha financiada por determinada empresa seja eleito, este recompensará a respectiva empresa.
Por outro lado, o domínio da comunicação obtém benefícios do domínio dos negócios trocando vantagens editoriais por dinheiro, favores ou mesmo empréstimos.
Há casos em que o agente político opta por não somente buscar o capital do domínio da comunicação, mas também ter sua própria empresa do ramo. Essa seria uma forma apolítica de obter capital comunicacional.
Por fim, mais dois casos: 1. proprietários de empresas de comunicação exercem influência no campo político ao coagir ou ameaçar seus agentes e 2. graças ao seu potencial para influenciar a opinião pública, o campo comunicacional “trabalha” a opinião do público para que os políticos acreditem que a esfera civil pensa da mesma forma que tais veículos.
Os feitos e representações da política midiática são realizados na e para a cena pública. No entanto, o mesmo não se pode dizer dos interesses e recursos da política, da comunicação e dos negócios privados que se esforçam para manter-se invisíveis aos olhos do público civil. Há um perigo que ronda todas essas trocas de favores/negociações feitas às escuras: caso sejam descobertas podem se tornar escândalos que ganham grandes proporções nas sociedades de democracias de massa.